Relato Aventureiros do Agreste no Bahia Adventure Race 2023

Baía de Camamu, 78km de Mountain Bike, 35 km de Canoagem e 39km de Trekking

Tivemos um certo trabalho pra fechar o quarteto! Eu tô ficando véia, com preguiça de correr com qualquer pessoa, de sair procurando. Gosto de correr com amigos, pra me divertir, dar risada e resenhar. Os desfalques são chatos mas inevitáveis, por diversos motivos: saúde, dinheiro, família, disposição, treino. Mas não dá negar que conhecer gente nova tem o seu valor. A gente precisa ampliar os horizontes sempre!

Para cada convite, um “Seria uma honra, mas não posso!”

Faltando uma semana pra prova, já inscritos, Arnaldo conseguiu um amigo do Rio de Janeiro pra correr com a gente, Alexandre. Mas quem seria Alexandre, minha Nossa Senhora? Aceitamos, confiamos e entregamos! Entramos em contato, marcamos uma reunião virtual na segunda-feira pré prova. Tudo em cima da hora! Porém, a grande preocupação de Alexandre era que ele não estava correndo e não queria atrapalhar a equipe. A nossa preocupação era Alexandre ser muito forte e ficar entediado. Então, casou a tampa com o balaio! Ninguém decepcionaria ninguém!

Eu que gosto de inventar arte, inscrevi nossas “crianças” no trekking e levamos todos pra essa aventura! Ficamos numa escola massa, oferecida pela organização com o apoio da prefeitura. Levei comida, bebida e mochila pra eles, apertei o botão de “Auto Gestão” e fui cuidar da minha vida. Afinal, só uma era menor de idade, os maiores cuidavam da menor.

A cidade fervilhava aventura! O centro histórico ficou lindo com os detalhes vermelhos do backdrop e do pórtico. Acolhimento nota dez pela comunidade de Camamu, gestores, organização e staffs! Sem contar com o encontro com a comunidade aventureira da Bahia, de outros estados e até o pessoal internacional que marcou presença na BAR.

Por conta de uma atraso na chegada dos barcos à cidade, o percurso foi invertido. Os 80km de mountain bike, que seria o trecho final da prova, virou a primeira parte, com a sequência de PCs todinha ao contrário. Arnaldinho foi bem sabido em resolver a coisa dessa forma! Além disso, fazer a bike no começo da prova me deixou bem feliz! Prefiro navegar à noite no trekking e na canoagem. E pedalar de dia é mais tranquilo.

Dez, nove, oito, seis, cinco, quatro, três, dois, um… fffooooommm!

Largamos pros oitentinha de bike com batedor até a saída da cidade, sob as lentes de Togumi, nosso fotógrafo preferido. Dali pra frente, seguimos em busca dos PCs. Achamos o PC 29, o 28, sobe, desce, encontramos as letrinhas. Até ali estávamos vendo muitas equipes. E já dava pra saber como seria a prova. Chuva, lama, ladeira, tombo, corrente quebrada, pneu furado. Aquele negócio de que tinha pouca ladeira era tudo mentira. O mapa tinha curva de nível pra não acabar mais, ladeira pra todos os gostos.

Seguimos para os PCs 27A, 26A, e 26, pra depois fazer o bate e volta pro 27. Ali encontramos algumas equipes emboladas, indo e vindo. No PC25, começamos as intercorrências. Pra começar os trabalhos, o pneu de Vitor rasgou na lateral. Paramos pra resolver. O tarugo não firmava, o GUP não vedava, a solução foi colocar câmara. Deu certo!

Passamos por seringais, plantações de cacau, matinhas, pastos. Achamos os PCs 24… 23… A corrente de Maurício partiu. Não sei porque cargas d’água, ele resolveu terminar de subir a ladeira, dizendo que encontraria Down com um powerlink pra ajudá-lo. E não é que Down estava lá em cima mesmo?! E ajudou!

Poxa! Mari, da equipe dele, levou uma queda que a deixou com o tornozelo super inchado. Eu gosto demais de encontrá-los, porque é resenha pura! Conversamos muito, enquanto resolvia a corrente e rimos falando besteira. Mas eu fiquei com a consciência meio mal por ter brincado tanto, depois que descobri que tinham desistido da prova e que ela fraturou dois lugares no tornozelo. Enfim…

Com tanta chuva, as ladeiras ficavam cada vez mais escorregadias e perigosas. As bicicletas reclamavam de tanta lama. A minha já não passava a marcha mais leve. Em algum momento, a lama ficou “magnética”, mas na maioria do tempo dava pra pedalar. Poucas vezes parecia que o tempo, talvez, quem sabe, abriria. Mas, não! Era chuva atrás de chuva. Em algum momento, Alexandre deu uma cabriola numa dessas ladeiras. Maurício, que vinha logo atrás, foi no embalo. Os dois caíram, mas não deu pra quebrar nada!

O PC 22 foi uma cachoeira linda dentro de uma Vila que não sei o nome, no fundo de uma casa, onde a senhorinha arrumou a água mais gostosa que já bebemos.

No PPO, achamos que talvez não estivéssemos no lugar certo porque o senhorzinho do barco não estava lá. Deve ter cansado de esperar. O rio parecia fundo, tinha correnteza. Vitor tratou de entrar e chegar até o outro lado. Quando viu que não era tão fundo, voltou, carregou as bicicletas e logo estávamos todos do outro lado.

Os PCs 20 e 19 estavam próximos, foi só pra tirar a gente do asfalto pra entrar um pouco outra vez, depois, estradão até o PC 18. Mas, antes de chegar lá, tivemos que dar outra paradinha para ajustes. Foi a hora de tirar as pastilhas de freio de Maurício, porque estavam completamente desgastadas. Que doideira, viu?! A lama lixou o freio.

Nossa navegação estava bem precisa, tivemos poucos erros, as medidas batiam na maior parte do tempo. Os encontros com outras equipes passaram a ser raros, já era noite quando chegamos na transição pra começar o trecho de canoagem.

A receptividade do staff nos deixou ainda mais felizes e animados. Melhor transição do universo! Tinha água quente, toalha, mesa, cadeiras, chuveirão, calor humano e amigos. Acho que a Caatinga estava saindo, a Kaaporas descansava e a Espirito Selvagem se aprontava.

Meu rosto tinha tanta lama que resolvi jogar uma água no corpo. Não do jeito que Fernando Severino fez, exibindo a sua buzanfa ao Deus dará, mas tudo bem. Levei um susto ao visualizar aquela cena. Não dava pra “desver”! KKKKK!

Não sei o que comi antes da corrida que me fez mal. Tive dor de barriga a prova inteira, os meninos nem souberam. Precisei me resolver por quatro vezes. Acho que, nesses 18 anos de Corrida de Aventura, só tive dor de barriga duas vezes. Quando fui ao sanitário, uma barata saiu de dentro do saco de lixo e ficou correndo pra todos os lados. Eu só pensava que barata não deveria comer cocô e nem deveria ficar correndo num momento tão delicado. Tive que trabalhar concentração, de uma forma que não me distraísse, caso ela subisse no meu pé. Imagina a pessoa pedalar 80km na chuva, gastar as pernas todas, fazer cocô na isometria e ainda ter que lidar com uma barata sapateando em volta do vaso sanitário? Corredor de Aventura não tem sossego! É adrenalina por cima de adrenalina!

Enfim… tomamos sopa, comemos uns bons lanches e trocamos de roupa. Mas tivemos que seguir! Dali em diante, tínhamos 3 trechos de trekking, intercalados com 4 de canoagem. Azimute, referência, mar calmo, vida boa. Mudança de modalidade é vida, gente!

Navegar à noite é uma experiência surpreendente! Você faz um azimute, determina sua rota e vai! Não tem noção do que vai encontrar pela frente. Já pensou, fazer o azimute errado? Você só sabe quando chega no lugar. JesusMariaJosé!!

Foram 4 km de canoagem até a transição. Subimos a rampa, calçamos nossos tênis e seguimos pro trekking, comendo. Em meio a bastante areia fofa, mato, espinhos e muita lama, encontramos o PC 11 na estrada, em seguida, o 12 no Farol. O PC 13, estava numa placa quebrada. Dali, fomos em busca do M, beirando uma cerca, tendo o farol com referência. Fizemos um azimute, até ele. E lá fomos nós pro PC 14, na Lagoa. Pronto? Não! Faltava o 15, que era a foto de uma estátua de Buda.

Seguimos conversando horrores com Fernando Severino, exímio conhecedor do lugar, e Capueira! Achamos o PC, mas a conversa tava tanta, mas tanta, que fomos por um caminho completamente diferente do planejado, crente e abafando que tava tudo certo. Raiaiii… Coloca mais uns 3 km em nossa conta, que chega na transição.

Acho que o cara do PC já estava ansioso pra gente chegar. Segundo ele, estava lá desde “não sei que horas”. Nos recebeu, vendeu alguns produtos, pediu nossos pagamentos e partiu! Enquanto os meninos roncavam por 20 minutos, eu, pra variar, fui conhecer o banheiro. Mas vamos deixar essa história pra lá! Que bom que não tinha barata visível dessa vez!

Alexandre entrou na nossa vibe direitinho! Zero queixas, super proativo, compartilhou comida, ajudou nos perrengues. Chegou até a vomitar e depois saiu como se nada tivesse acontecido. Nossa cara!

Seguimos para mais um trecho de canoagem. Inicialmente, pensamos em chegar em Barra Grande pelo rio, depois mudamos de ideia, porque a maré estava baixa. Lembrei que a uns 15 anos atrás, remei por aquele rio com a maré baixa. Os galhos seguravam muito! Optamos por seguir mar afora, que parecia um tapete no começo, numa remada bem fluida, com os peixinhos tentando se suicidar dentro do barco. Salvei vários!

Amanheceu, faltando uns 4 km pra Barra Grande e já dava pra ver a bagaceira. As ondas quebravam pra tudo que era lado. Vimos uma equipe entrando pelo banco de areia, carregando o barco, remando pela saída do rio e carregando o barco novamente pela praia. Chegamos a considerar a possibilidade, mas decidimos por sair mais da costa, fugindo da arrebentação, e entrar reto pra o local de parada, à pedido de Vitor e Alexandre, que berravam lá de longe. Pareceu a melhor ideia.

Chegando lá, seguimos pro trekking por Barra Grande e Mutá. Revisitamos a Vila num dia de muita chuva, com muita lama e poças d’água. Um trekking digno de uma aventura. Aliás, os moradores também viram aventureiros em dias de chuva. Em alguns momentos, não havia alternativa a não ser passar por dentro da água. Não tinha um cantinho da estrada pra passar. Mas, como diz um filósofo amigo meu: O que é um peido pra quem tá todo cagado!”

Desse trekking, a melhor parte foi encontrar uma padaria com o mais delicioso pão com ovo do universo e suco de laranja! Foi em nosso café da manhã que tive a forte impressão de que Alexandre estava curtindo correr com a gente!

Finalizado o trekking, seguimos mar afora! Foram 5km até a pequena ilha de Pedra Furada para nossa sessão de fotos. Depois, 800m até o PCG, onde decidimos não caminhar por 2km, carregando os barcos até a transição. Meu voto era não! Ali era uma questão de escolher qual a dor que preferia sentir. Braços ou pés. Dois quilômetros e pouquinho remando não seria nada, perto do que passamos. Só não contávamos que o mar fosse tão rebelde. E foi! Foi sofrido, mas achamos que foi melhor!

Chegando lá no AT de Ilha Grande, seguimos para mais um trekking que rodava a ilha inteirinha, sem tirar nem pôr. Foi a vez do rogaine, que fizemos por trilha, matas fechadas, trechos da vila, orla. Um trekking lindo, digno de fechar os trabalhos! Aliás, a prova inteira teve visuais incríveis! A Baia de Camamu é linda demais e esses deslocamentos pelo mar dão o maior charme à prova! Morro de São Paulo que o diga!

Terminamos o trekking, comemos mais uma coisinha, pra finalizarmos a prova. Cerca de 13km de mar e rio nos separavam da linha de chegada, em Camamu. Já passava do meio dia do segundo dia de prova, mas nossa vontade parecia não ter fim. Animados, remamos até a ponta da ilha, apontamos nosso azimute pra entrada do rio e POOOW!! …seguido de barulho de barco esvaziando. Por um momento me bateu um lampejo de desespero esquisito, comecei a gritar que o barco furou, fomos os quatro pra lateral da Ilha grande, único lugar que não tínhamos conhecido. KKKk!

Analisamos os danos e as implicações rapidamente. Percebemos que o barco esvaziava bem devagar. Logo, decidimos continuar a remar, enchendo o bote com a boca, sempre que ficasse muito pesado. Enfim! Meu desespero passou porque a única coisa que eu pensava era que já tinha chegado até ali e, se precisasse ir agarrada na embarcação, sendo puxada, eu iria.

Foram os quilômetros mais longos dos últimos tempos! As ilhas pelas quais passaríamos, nunca chegavam. O quadril doía demais, não tinha posição que ajudasse. Quando eu colocava os dedos dos pés no lugar onde vazava ar, o barulho mudava pra o som de uma bola se soprar. Rapaaazzz! Quando passamos pelas ilhas, os bancos de areia apareciam do nada. A maré estava baixa demais pra irmos pelo caminho mais curto. Tivemos que passar pelo caminho dos barcos a motor, fazendo uma volta enorme pela entrada lateral do rio, o que pra quem tá de packraft furado, não é tão interessante.

A graça é que essa corrida não me deixou tão tensa em nenhum outro momento. Parecia ali a cereja do bolo, pra dar a emoção que nós merecíamos. Eu tinha vontade de dar uns tapas em Maurício quando ele virava a frente do packraft pro caminho dos barcos. Devo ter falado tanto, coitado, que até hoje ouve a minha voz.

Enfim, chegamos em Camamu quase 17h, depois de 32 horas de prova, quinto quarteto a cruzar a linha de chegada, felizes por completar esse desafio!

Foi uma experiência massa! Valeu, equipe! Nossa sintonia não tem preço e encontrar um parceiro que tenha nossa vibe é uma grata surpresa! Valeu, Alexandre, pela parceria!

Arnaldo e toda equipe, valeu demais! Foi uma prova incrível! Percurso massa, receptividade, logística, staff alinhado, cidade acolhedora, alojamento top! Parabéns!

Vida longa à Corrida de Aventura!

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