Apenas dez minutos na esteira no treino regenerativo já foram suficientes para sentir um certo cansaço refletido do fim de semana chuvoso, lamacento e extremamente prazeroso ao lado dos amigos. Cada passo no trote da esteira, uma imagem na memória ainda quente da Expedição Haka Mogi-Bertioga. Muitas risadas, bate-papo, tentativas de bate-papo e muitos perrengues recordados na companhia do maridão (Marco) e do casal nota mil da Ekos. Ana Elisa (Ni) e Djalma (DJ) Siqueira. Há tempos tentávamos fazer uma prova juntos e finalmente conseguimos juntar Guaranis e Ekos numa nada fácil Haka 150 km.
Com a chuva constante da semana anterior e contínua durante toda prova, largamos de bike, no sábado, por volta da 8h da matina, no distrito de Sabaúna, em Mogi das Cruzes. Poucos quilômetros após a largada, a lama já fazia estragos nas bikes. O freio dianteiro da Ni parecia uma máquina de caldo de cana e a minha (a do Toga - o empréstimo da rodada) e a do DJ com chainsuck, aquela palhaçada da corrente, que insiste em visitar o quadro ou as coroas quando está muito suja e as marchas acabam morrendo. Enfim, eu sem marchas leves e a Ni com problema no freio logo no início da prova, que só de bicicleta teria uns 80km.
Pedala quando dá e empurra como pode, conseguimos chegar antes do previsto na transição para o vertical. Anderson?!? Anderson?!? Anderson?!? Aos gritos, chamávamos nosso apoio-master e que há anos nos acompanha nas roubadas, SEMPRE, SEMPRE com chuva. Mas desta vez ele não estava lá. Na intenção de seguir outro carro de apoio, acabou se perdendo, mas sem problema para nós. Afinal, apoio é parte da equipe e, assim como nas provas, precisamos saber contornar os imprevistos. Rapidamente os meninos decidiram correr rumo ao vertical, com a intenção de pedir o equipamento emprestado para as equipes que já estivessem voltando. Enquanto isso, para a alegria dos pescadores, a Ni e eu improvisamos um banho na represa e tiramos o excesso da lama que aquela altura já tinha entrado até pelos ouvidos. Quando o Anderson chegou, comemos, preparamos os barcos e esperamos a equipe ficar completa novamente.
Cerca de 45 minutos depois os meninos voltaram , vestidos com os verticais da Competition Aroeira. Eles contaram que depois de receberem um 'NÃO!' de um competidor, os dois veteranos no esporte instantaneamente arrancaram os equipamentos dos corpos e os lançaram nas mãos deles. A equipe que era nossa concorrente direta, teve um impressionante ato de solidariedade e nos colocou de volta na prova. O meu muito OBRIGADA à Competition Aroeira. Nada como a experiência de atletas que sabem preservar o verdadeiro espírito das corridas de aventura, que é o trabalho em equipe.
Entramos na água sob uma garoa intensa, mas felizes por estarmos em barco rígidos e não no lixo de ducks. A organização havia separado um barco duplo e dois individuais para os quartetos, o que nos levou à decisão de remarmos a Ni e eu no duplo (eu com mais um empréstimo do remo do Paulinho) e os meninos separadamente. Estratégia perfeita, já que duas mulheres juntas é sinônimo de muito papo. Rimos, tagaleramos e, com isso, acabamos alcançando duas duplas. Uma dupla mista ainda perguntou se éramos remadoras profissionais. Dei risada e respondi que estávamos "tricotando" e por isso estávamos rendendo bem. A outra dupla, esta masculina, aproveitou para remar na nossa esteira e descansar. Os espertinhos ainda não queriam nos deixar parar para esperar os meninos, que haviam ficado para trás. Paramos e eles seguiram, sob uma forte chuva com muito vento e ondas laterais que dificultavam o leme da Ni. Nos juntamos de novo e seguimos. Com 2h03 de remada chegamos à transição para as bikes, onde fomos recepcionados pela organização com um delicioso chá quente.
Depois de uma transição que parecia ter durado um século, já que o Marco precisava plotar o novo mapa, saímos novamente com as magrelas. Saímos bem lentos, tanto para aquecer os já congelados músculos como pela ausência de freios na bike da Ni. Com receio de algum acidente, seguimos cautelosos pela estrada pedalável e com algum desnível, incluindo uma mega subida errada que fizemos. Ai, que falta fazem as marchas leves! Descemos de volta e achamos a entrada correta para mais uma longa subida até o próximo PC. Como nosso destino seria Bertioga e só subíamos, ainda brinquei com a equipe, dizendo que pegar uma praia na altitude de Campos do Jordão deveria ser o máximo.
Mais um PC e agora eu também já estava quase sem freios. Para compensar a lerdeza nas descidas, tentava subir pedalando sem empurrar. As coxas ardiam, fritavam, mas não tinha jeito, precisávamos aproveitar a luz do dia antes de entrar num trecho de difícil navegação. Depois de esperarmos o Marco se recuperar de uma hipoglicemia, entramos no single lameado, com algumas pontes quebradas (pavor!!) e muito fechado pela mata, o que nos atrasou ainda mais. Já sem freios e com medo de cair, comecei a empurrar nas descidas. Nosso ritmo era patético nesse trecho, mas era a única opção. Afinal, fazemos corrida de aventura unicamente para nos divertir e machucados podem estragar qualquer brincadeira.
Chegamos à transição seguinte preocupados com o corte da meia noite. Decidimos não trocar de roupa e seguir comendo pelo caminho. O Anderson havia montado um mega acampamento numa casa abandonada, onde os gêmeos da aventura também aproveitaram para estender uma rede. Nossa, fiquei com uma enorme vontade de ficar por ali. Mas a missão nos chamava e precisávamos seguir. O Anderson distribuiu nosso miojo em sacos plásticos e assim pudemos jantar caminhando. Nos despedimos da casa mal-assombrada e saímos para o trekking, cuja trilha começava na rodovia Mogi-Bertioga. Foi sinistro andar a noite pela rodovia, mas rapidamente já estávamos na entrada da trilha.
Começamos a descida rumo ao litoral, atentos na navegação e no piso irregular, ainda mais escorregadio pela chuva que insistia em nos acompanhar. Trilha linda, para mim o melhor trecho da prova. Mata Atlântica preservada, muitas nascentes, rios e o melhor de qualquer corrida de aventura, muita navegação. Apesar da empolgação, acabamos pegando uma bifurcação errada, o que acabou nos fazendo subir por uma trilha que virava uma ravina cheia de pedras e mata fechada. Voltamos, pois sabíamos que não estávamos numa Chauás. Se tivéssemos, bastava rasgar e seguir. Na descida, encontramos com a Enigma, que acabou nos acompanhando até o rio de travessia. Sorte da Ni, que pôde renovar o tricô com a sempre sorridente Bia. Mulheres!
O rio que deveria passar na canela, com a intensa chuva, havia subido a tal ponto que formara uma forte correnteza. Infelizmente, assim como as coisas boas, as coisas ruins também contaminam. E o medo nos contaminou. Ficamos com medo de nos lançar no já caudaloso rio, então perdemos horas entre tentativas frustradas de travessia, ideias mirabolantes e a chegada do organizador para nos ajudar. No fim, horas depois, só atravessamos o rio depois que o organizador chegou com uma corda, atravessada por caiaque por um super-staff, que nos orientou e ficou a postos no barco caso alguém desgarrasse da corda. Para completar o mico, um fotógrafo registrava a cena pitoresca das equipes que, teoricamente, deveriam ser auto-suficientes.
Apesar do pavor e da falta de força para me segurar na corda, num curto espaço de tempo consegui chegar na outra margem, mas com o coração na boca. Um a um atravessamos sem problema, mas quando já estava quase no oitavo começaram a chegar várias equipes.
Com o corte, só teríamos mais uns 12 km até a chegada. Já como Guaranis Ekos / Selva Aventura novamente, corremos até a estrada só para nos afastamos das equipes que vinham. Com a distância segura, resolvemos fazer um piquenique com as guloseimas que havíamos levado para a canoagem cortada. Delícia de balas, bananinha e palha italiana que nos acompanharam até a chegada na linda praia. De mãos dadas, cruzamos o pórtico com o dia quase amanhecendo e, claro, debaixo de chuva.
Prova fantástica e com certeza marca o nascimento de uma nova formação de equipe de amigos Selva.
Lilian Araújo
Guaranis / Ekos
www.equipeguaranis.com.br
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