Brasileiros em sexto lugar no Lá Petite Trotte à Leon

Por Redação - 12.Sep.2011

Depois de correr por dois anos consecutivos (2008 e 2009) o UTMB que é uma das provas do Ultra-Trail du Mont-Blanc com 166 Km e 9.500 metros de desnível, em 2010 Décio Ribeiro resolveu se arriscar no PTL (Lá Petite Trotte à Leon), a maior prova do Ultra-Trail du Mont-Blanc. A prova teve 240 km com 18.000 metros de desnível e ao lado de Décio Ribeiro estava seu aluno e amigo André Arruda, já que pela grande dificuldade e por segurança este desafio e realizado em duplas ou em trios e assim foi a primeira participação brasileira nesta ultramaratona.

A dificuldade da prova foi tão grande que das 80 equipes que largaram somente 02 equipes completaram todo o percurso e por problemas respiratórios, Décio Ribeiro foi obrigado a abandonar ainda no km 75 onde até então mantinha a 5º posição junto com André Arruda. Não satisfeito, Décio resolveu tentar novamente em 2011, porém desta vez ao lado de Luis Mazzotini, experiente corredor de aventura e um exímio navegador. Nesta corrida a navegação é fundamental, pois o percurso deve ser realizado através do uso de mapas (cartas topográficas) e GPS.

Porém neste ano de 2011 o desafio foi ainda maior: o PTL passou de 240 Km para 300 km e os 18.000 metros de desnível passou para 25.000 metros de desnível. Para se ter uma ideia da dificuldade do terreno isto é o equivalente a subir e descer o monte Everest desde o nível do mar por três vezes seguidas e para dificultar, existe um tempo limite de 138 horas para concluir a prova.

Os atletas resolveram ir com seis dias de antecedência da largada, que ocorreu no dia 22 de agosto às 22:00 em Chamonix França, com o objetivo de fazer uma melhor aclimatação já que por muito tempo iriam permanecer em altitudes acima dos 2500 metros e atingindo os 3000 metros. Primeiramente os atletas ficaram no hotel refugio (Praion) em Lês Houches (próximo a Chamonix) a 2000 de altitude onde puderam realizar alguns treinos.

No sábado dia 20 de agosto, procurando melhorar a aclimatação Décio e Luis, subiram para uma montanha chamada Agulhas de Midi a 3848 metros de altitude onde ficaram por cerca de 6h no sábado e repetiram o feito no domingo, sempre verificando através de um oximetro (aparelho que mede a quantidade de oxigênio no sangue) como o organismo estava reagindo à aclimatação e eles então puderam constatar uma melhora significativa no nível de oxigênio, o que iria ser fundamental para um bom desempenho na prova.

Veja como foi o dia-a-dia da dupla:

Segunda-Feira dia 22 de agosto
As 15:00 horas tem o inicio do brieffing no ginásio de esportes de Chamonix onde é realizada a checagem de equipamentos obrigatórios, documentos, entrega do GPS e confirmação do celular habilitado.
18:00 horas o retorno ao brieffing e entrega dos dois sacos de apoio que os atletas teriam para usar sendo o 1º no km 110 em Morgex e o 2º em Champex no km 195, onde nos mesmos poderiam deixar roupas de reserva, equipamentos, suplementos, etc., na sequencia se inicia uma explanação de como seria a prova, e depois um jantar de massas.

A tão esperada hora chega e a largada se dá às 22:00 horas, com Décio Ribeiro e Luis Mazzotini iniciando a prova em ritmo confortável já que ainda teriam pela frente 300 km a serem percorridos. A largada é uma festa com a rua lotada com o público aplaudindo e torcendo por cada atleta, mesmo que desconhecido, que ali estava para enfrentar o grande desafio. Esta festa se deu por pelo menos os 10 primeiros quilômetros até iniciar a primeira grande subida, onde a cidade de Chamonix foi ficando para traz. A ansiedade para a largada e a euforia foi tanta que só depois de ter percorrido cerca de 3 km após a largada que Luis se deu conta que esqueceu os mapas dos primeiros 67 km no hotel, ficando então a dupla na total dependência do GPS.

Começo de prova todo mundo com energia sobrando e com adrenalina a mil na primeira subida. As duplas e trios colocam um ritmo bastante forte acima da zona de conforto, porém o espirito competitivo faz com que não se deixe ser ultrapassado e foi assim que a dupla brasileira seguiu madrugada adentro, erro este que acabou tendo consequências mais tarde.

Terça-Feira dia 23 de agosto
A estratégia da equipe D-run Fortitech Brasil foi de realizar uma prova carregando pouco peso, somente os equipamentos obrigatórios e com os alimentos que fossem ser consumidos até atingir o próximo vilarejo ou refugio de montanha. Com isso largaram com apenas dois lanches na mochila, que seriam consumidos ao longo da madrugada e na sequencia pretendiam, no final da madrugada, encontrar o primeiro local para compra de alimentos, porém nada foi encontrado. Segundo erro que teve consequências prematuras, pois somando o ritmo forte da largada e a falta de alimento no inicio da manhã, o Luis passou mal, sentindo tontura, enjoo, e foi necessário diminuir bastante o ritmo até que o atleta pudesse se recuperar totalmente. E foi somente no final da tarde, por volta das 18h00 e com 60 km percorridos e 5000 metros de desnível percorridos, que Décio e Luis encontram o primeiro refugio aberto, onde puderam comer um belo prato de macarronada, ovos mexidos, e sete latinhas de Coca-Cola.

Agora alimentados e mais confiantes seguiram com o desafio em um processo de recuperação de posição. Alguns quilômetros a frente após uma longa subida e uma longa descida os atletas recebem uma orientação da organização da prova que não mais fariam o trajeto pelo Col de Rousses sendo este modificado para o Col de Forclass. Esta mudança levou os atletas para uma subida extremamente difícil, tornando-se uma verdadeira escalada onde era impossível de subir sem o auxilio das mãos como apoio. A subida era bastante perigosa e exigiu bastante dos atletas, que em seguida atingiriam o primeiro ponto de apoio em Le petite San Bernard Km 80 e 7000 de desnível percorridos, local em que a organização da prova iria fornecer alimentos e alojamento. A dupla atinge o local às 01:00 da quarta-feira dia 24, onde se alimentam e tem o primeiro descanso.

Quarta-Feira dia 24 de agosto
Após dormirem por apenas 3:30 os atletas acordam, tomam um reforçado café fornecido pela organização, abastecem as mochilas com alimentos e saem por volta das 5h da manha em direção a Morgex km 110 da competição e 10.000 metros de desnível percorridos. Ainda estava claro quando conseguem chegar a Morgex às 16h15 e onde foi possível tomar um rápido banho, trocar de roupa, alimentar-se, repor os suplementos na mochila e partir para o trecho que iria levar os corredores até Borg San Pierre, trecho este em que por mais 60 km não teriam apoio algum de refúgios e da organização.

O dia foi bastante puxado sempre com muita subida e descidas por trilhas bastante características do PTL com nível de dificuldade alto e sempre com muitas pedras e cascalhos, porém foi um dia em que a dupla rendeu bastante ao cair da noite. A atenção teve que ser aumentada, pois se exige mais da navegação. Foi uma noite bastante dura devido ao cansaço e ao sono, mas era estratégia da equipe dormir o mínimo possível e mais uma noite foi atravessada em claro.

Quinta-Feira dia 25 de agosto
Apesar do sono, Décio e Luis passam a noite bem, concentrados e focados no objetivo de ao menos concluir a prova e chegam a Borg San Pierre às 15h30, local em que puderam fazer um belo de almoço a base de massa e um bife e também mais algumas coca colas. Repostas as energias, mas não o sono, o objetivo agora era chegar a Champex, segundo e ultimo ponto de apoio fornecido pela organização onde seria possível encontrar o segundo saco com mais roupas limpas, pilhas e suplementos. O planejamento era chegar lá antes da meia noite e em um ritmo constante e sem errar na navegação, atingem o objetivo chegando a Champex às 23h15. O Décio já apresentava varias dores no pé e o Luis sofrendo um pouco com seu joelho e também com dores e bolhas nos pés. Os atletas então se alimentam, hidratam, repõem os suplementos da mochila, e dormem por mais 3h, já que estavam há 44 horas sem dormir. Acordam e saem novamente às 5:00 da manhã com a orientação da organização da prova que teriam que seguir por mais um caminho alternativo. A organização os obrigou a fazer uso destes caminhos alternativos, pois caso contrário nenhuma equipe terminaria a prova até o domingo devido a dificuldade.

Sexta-Feira dia 25 de agosto
Com o objetivo de recuperar posições e também o tempo perdido pela queda do ritmo devido às dores nos joelhos, pés e bolhas os atletas planejam não mais dormir até o termino da corrida já que tinham rompido a barreira dos 200 km e 16000 metros de desnível positivos percorridos. De Champex se inicia uma longa descida até Martiny para, na sequencia, subir por lindos parques de pinheiros até chegar a Marecottes, onde pela terceira vez recebem orientação da organização que deveriam seguir por um caminho alternativo o que os poupariam de atravessar o pico do Luisin. Tal decisão foi tomada pela direção de prova, pois no pico estava chegando uma tempestade aonde somente as cinco primeiras equipes puderam passar. A D-run Fortitech Brasil segue pela rota imposta pela direção de prova, mesmo sofrendo com dores nos pés e joelho, até atingir o local da rota original do PTL no refugio de Susanfe, à beira de uma enorme barragem a 2300 m altitude. Às 19:00h, depois de 240 km e 20000 metros de desnível percorridos, lá jantaram abasteceram a mochila com lanche e seguiram noite adentro.

No final da noite, por volta das 23:00 começa a chover e a dupla atinge um refúgio onde as equipes que estavam na frente pararam para dormir. Incentivados pela noticia que havia pelo menos umas cinco equipes dormindo, os atletas seguem com o objetivo de não dormir até a chegada e assim poder ganhar posições através desta estratégia e então prosseguem subindo sob a chuva.

Sábado dia 26 de agosto
No inicio da madrugada a chuva piora um pouco e vira chuva de granizo, o que assusta um pouco os atletas, pois o vento também aumenta e também a sensação de frio. Retornar para o refugio não estava em questão no momento. Não demorou muito para que essa chuva em pleno verão europeu se transformasse em neve e em seguida numa nevasca terrível. Muito focados em sair desta situação os atletas prosseguem exigindo muita coragem, concentração e determinação, pois as trilhas se apagaram completamente com a neve. O deslocamento ficou ainda mais lento e cuidadoso e por diversos momentos os atletas passaram por locais bastante íngremes e que se tornaram escorregadios com o gelo. Achando que aquela situação não pudesse piorar, a dupla chega a um abismo em que o único caminho era subir uma parede de cerca de 20 metros verticais onde ferros fincados na rocha faziam papel de escada e correntes e cabos de aço faziam o papel de cordas e davam uma falsa sensação de segurança. A partir deste ponto eles tinham certeza que não podiam voltar e que o único jeito era seguir em frente e sem parar, pois isso significaria congelamento já que não estavam totalmente preparados para enfrentar neve e a temperatura era em torno -10 graus.

E foi com o instinto de sobrevivência que mais uma vez o Luis navegou sem enxergar qualquer trilha, apenas o branco da neve, tirando a dupla do sufoco durante toda a noite até atingirem o refugio La Voyage, a 1750m altitude e km 260 de prova por volta da 3:30 da manhã. O planejamento inicial era seguir sem parar, mas molhados e com muito frio foram obrigados a parar no refugio que com muita sorte havia uma pessoa no local, que ajudou a dupla brasileira com alimentação e abrigo.

A dupla decide então tirar um cochilo de 1 hora para poder se aquecer e os atletas também puderam tomar um reforçado café e sair ainda de madrugada com parte das roupas molhadas, com a única missão de terminar a prova ainda no sábado, mas as fortes dores os impendiam de imprimir um ritmo mais forte, principalmente nas descidas, mas sabiam que estavam bem, pois ninguém havia descido a montanha de Le totans naquele nevasca.

E surpreendidos logo após passarem pelo refugio de Canes no km 268, uma dupla francesa os ultrapassa, e logo na sequencia na descida para San Gervais, apontou uma dupla italiana, o que obrigou os atletas a apertar o ritmo na subida mesmo com as dores, e também na descida, onde o sofrimento era ainda maior. Com a pressão da dupla italiana, acabaram encostando na dupla francesa novamente, que havia aberto mais de 10min. Neste momento o Décio se obriga a fazer uma proposta de incentivo ao Luis, (com intuito de perder a aposta é claro) dizendo que se buscassem a dupla francesa, sem deixar a dupla italiana os ultrapassar, o Décio pagaria o jantar. Feita a aposta, ambos se sentiram motivados, e antes do término da última grande subida, a 2300m altitude, passaram a dupla francesa, o que incentivou ainda mais a equipe brasileira a descer com a euforia de estar finalmente chegando.

Estes últimos 5km de descida foram talvez os mais longos dos 300 km de prova e finalmente às 21h00 no centro de Chamonix, com muita gente nas ruas aplaudindo, a equipe D-run Fortitech Brasil cruzou a linha de chegada após 119 horas e em 6º lugar, com a bandeira do Brasil em punho e extremamente emocionados, "mas com um sabor de vitória, conquista, alma lavada, enfim uma emoção impar. E talvez o maior prêmio desta conquista é ser no final, ovacionado pela população local, pois uma equipe que completa o PTL é considerado um herói pra eles", disse Luiz Mazzotini. "Pois sabem a grande dificuldade do desafio" . E não deu outra: várias pessoas desconhecidas foram cumprimentar e tirar fotos dos dois brasileiros que se arriscaram neste grande desafio.

O Brasil também foi bem representado pela equipe D-Run Brasil nas outras provas que fazem parte da competição.

No TDS, prova de 110 Km e 7100 de desnível, André Arruda completou com o tempo de 27:51:30; Walter Rinaldo com o tempo de 29:52:36 e Giovanni Rinaldo com o tempo de 32:21:35. Apenas o atleta Diones Godoi teve que abandonar por problemas durante a corrida.

No CCC, prova de 98 km com 5600 de desnível, a equipe foi representada por Cyntia Terra com o tempo de 14:59:26, sendo a única brasileira na competição e conquistando a excelente classificação de 8º Lugar no geral feminino; José Luiz com o tempo de 20:25:48 e José Corissa que não completou.

Para Décio Ribeiro particularmente foi uma reconquista de superação e autoconfiança, pois teve problemas nesta prova em 2010 e também porque cerca de 40 dias antes da prova, lesionou a panturrilha. "Agradeço o Luis, parceiro, amigo e navegador, pela paciência, confiança e cumplicidade, aos amigos que ficaram na torcida no Brasil o tempo todo, e meu patrocinador oficial, a empresa Fortitech de Campinas, que sempre me apoia nestes grandes desafios, alem do apoio da Nutristore Suplementos."

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