Segunda Expedição Terra de Gigantes da Guaranis, a mesma formação - Fábio Carcaça, Lilian Araujo, Marco Antonio e Sidney Togumi - e a consciência de que a prova de 150 quilômetros seria duríssima, tanto pela característica da organização quanto por nosso recente histórico de poucos treinos. O remo mesmo era treino ZERO para os quatro elementos da equipe. Parcialmente cientes da dificuldade que estaria por vir, nosso lema na prova era: "Faça seu trabalho!".
Largamos da praia do Pontal, em Paraty (RJ), por volta das 10h30 de sábado. Antes, um rápido sorteio das esquipes para a escolha dos barcos infláveis e, como logo fomos sorteados, pudemos escolher dois que não estavam furados. Mais uma oportunidade para reforçar a campanha "Fora ducks!!!". Afinal, se a embarcação fosse boa, não haveria necessidade de sorteio.
De volta à prova, remamos relativamente bem até a portagem na praia do Amyr Klink, mas o arrependimento da falta de treinos já batia e eu agradecia a organização por ter reduzido o trecho de canoagem como tentativa de acelerar a prova. Ali, o Marco e o Toga carregaram os barcos enquanto o Carcaça e eu levamos as mochilas - "Façam seu trabalho!" -.
Rapidamente estávamos de volta à água, mas desta vez com boas rajadas de vento, algumas ondinhas e uma enorme dificuldade de manter a direção. Apesar da intenção da organização, os gigantes efeitos naturais também faziam o trabalho deles, tentando dificultar nossa progressão. Mesmo assim, conseguimos sair entre as dez primeiras equipes da água.
Prontos para o primeiro trekking de uns 12 km, um excessivo calor úmido e algum desnível altimétrico foram suficientes para acender minha luz amarela de alerta. Pressão caindo, o calor subindo, o enjoo aumentando e eu logo pensando: "Xiiii!!! será que vou ferrar com a prova dos meninos?!?" Hora de administrar o ritmo - lerdo por sinal -, avisar a galera e pisar no freio. O Toga logo pegou minha mochila e colete, que depois acabaram saltando de costas em costas até o final do trecho. Enquanto os três revezavam o peso extra, eu ia me arrastando morro acima, caminhando morro abaixo e tomando banho de água gelada, numa tentativa de resfriar o carburador.
Na bike e depois de uma Coca gelada na transição, finalmente comecei a voltar pra prova. Mesmo sem conseguir comer, o trecho plano inicial deu uma ajuda extra na recuperação e logo estávamos no PC seguinte. Enquanto os meninos decidiam o caminho a seguir, os simpáticos staffs nos perguntavam se realmente ficaríamos à noite no meio do mato. Ao mesmo tempo em que o Fá respondia que sim, eu completava: "Foi pra isso que viemos!".
Nos despedimos agradecendo a atenção e seguindo para o que, segundo os meninos, "seria a melhor opção". Nada parecia muito impossível, já que cruzamos com duas garotinhas no meio do nada fugindo de uma égua, depois com uma moto que parecia abandonada e por fim alguns lenhadores fumando seus cigarros esquisitos. Apesar da intenção de seguir pelo caminho menos difícil, a trilha escolhida acabou sendo um single track lameado, cheio de erosões e pedras soltas e ainda com algumas paredes para carregar a bike para cima e outras para baixo. No fim, descobriríamos que realmente não seria o trecho mais difícil da nossa expedição.
No PC seguinte nos divertimos um pouco ao encontrar com a galera da organização e com o Togumi. Trocamos alguns comentários e seguimos carregando as bicicletas ora por um refrescante rio de água cristalina ora por vara-mato cheio de espinhos. Como eu não havia passado a prova com os meninos antes da largada, imaginava que os 40 km previstos para o pedal seriam muito próximos do trecho inicial, plano, pedalável e uma ótima oportunidade para recarregar as baterias antes do trekking final. Mas a dura realidade se transformou em recordações eternas, na forma de cicatrizes e arranhões pelas pernas e braços. Isto porque os poucos trechos das boas e quase totalmente planas estradas eram intercalados por trilhas estreitas, muitas vezes impossíveis de pedalar. Para coroar o percurso, uma rampa final subindo, cuja lama quase nos impedia de empurrar as magrelas. Na tentativa de arrastar as bicicletas sem ter que carregar, era mais ou menos um passo pra cima e dois pra baixo de tão escorregadio, com paradas no meio para tirar a lama cheia de estrume de gado das rodas. Depois disso, ainda tivemos um down hill tenso, devido ao piso liso e à escuridão da noite já estrelada. Quase sem marchas nas bicicleta, a subida final de asfalto acabou sendo revezada entre algumas pedaladas e alguns empurrões até o PC da Cachoeira.
Definitivamente enquanto os efeitos naturais tentavam nos impedir de prosseguir, cada um de nós fazia a sua parte rumo ao principal desafio da prova: um trekking de 32 km, cujo desnível sairia de zero nível no mar para 1.800 msnm. Fizemos uma transição lenta, cerca de uma hora, antes de entrar no duro trekking. Estávamos bem cansados, mas muito dispostos a entrar no que para nós seria uma nova prova. A partir dali, estaríamos literalmente numa expedição, na qual deveríamos ser totalmente autosuficientes. Vestimos roupas secas e recarregamos as mochilas com água e comida para o duro trecho que estaria por vir.
Era cerca de 22h30 quando saímos. Os meninos tinham dividido o peso dos equipamentos obrigatórios e o Fá também carregava meu colete. Começamos a subida por uma estrada larga até entrarmos numa trilha fechada por mata densa e pedras no chão que demarcavam o caminho. Como o musgo das pedras dificuldade a já nada fácil progressão, nossa subida foi extremamente devagar e ainda mais exaustiva a ponto de eu pedir para pararmos. Alguns minutos comendo sentada e com o Marco esvaziando minha já vazia mochila me ajudaram a continuar. Fiquei apenas com água e comida, com a Coca guardada para o cume sendo usurpada para outra mochila.
Um passinho de cada vez, chegamos mais ou menos a 1.400 msnm quando mais uma vez me surpreendi com o trecho por não ter discutido o mapa antes da prova. Ao invés de continuar subindo rumo aos 1.800 msnm, de repente começamos a descer, muito. "Mas não tínhamos que subir?", perguntei já ouvindo a resposta de que antes disso deveríamos descer uns 100 metros de desnível. Subir, descer, para finalmente subir. Ótima notícia!!!
Sobe, desce e soooooobbbbbeeeee... Já quase com um torcicolo de tanto olhar para cima, nosso ponto meta só não se confundia com uma estrela daquele magnífico céu porque era uma lâmpada vermelha que identificava o ponto máximo do nosso destino, uma antena no pico mais alto da região. De novo, como não sabia nada do mapa, imaginei que estávamos na Serra da Bocaina, ou seja, muito, muito longe do litoral de onde havíamos saído.
Cruzamos com algumas equipes descendo, batemos o ponto máximo e na volta mais "ois" para outras equipes. Assim, soubemos mais ou menos quanto tempo estávamos atrás das primeiras e à frente das de trás. Se bem que, àquela altura, tanto fazia, já que estávamos tão exaustos que qualquer reação de qualquer uma delas nos distanciaria tanto das da frente quanto poderíamos ser ultrapassados a qualquer momento pelas equipes que vinham atrás.
Administramos nossa constante lentidão até o remo final, numa descida interminável, porém com um visual fantástico do litoral. Já era dia quando avistamos o mar no longínquo horizonte. Céu azul, mata densa ao redor e um Sol forte e que reluzia naquele distante oceano. Fizemos um balanço do que restava da comida e calculamos que poderia faltar para o remo. Tínhamos ainda alguns suplementos e poucos lanches, mas não agüentávamos mais pensar em suplementos, ou seja, precisaríamos reabastecer.
Antes do último PC, com a orientação de um local, conseguimos azimutar e atravessar para uma estrada paralela a que estávamos. Com isso, ganhamos alguns quilômetros, ou melhor, perdemos alguns quilômetros, já que deixamos de percorrê-los. Chegamos à vila dos ducks e para nossa sorte o pequeno comércio estava aberto. "Oito cheese burguers, por favor!!!". Comemos a metade e guardamos a outra para a canoagem, junto com mais dois Red Bulls e duas Cocas.
Literalmente reabastecidos, entramos na água sob o apoio de um casal e um lindo Golden que acompanhavam a prova e que já haviam nos incentivado no início do trekking.
Rema, rema, rema, que inferno, odeio ducks. Rema, rema, rema, um sono incontrolável, Red Bull pra dentro. Rema, rema, rema, o Phillipe passa nos incentivando, dizendo que a galera Selva tinha acordado cêdo para nos esperar na chegada. Coitados!!! Demoramos tanto, que deviam ter dormido até mais tarde.
Rema, rema, rema, opa... parada para a segunda rodada dos lanches. Coquinha para acompanhar, só faltou o catchup. O visual era incrível em alto mar, água esverdeada, várias ilhas, casinhas de pescadores, barcos passando. Lindo, mas estava tão exausta que o queria mesmo era chegar.
Remamos mais e com 2h50 de remada e 27hs de prova finalmente aportamos de volta à praia do Pontal, em Paraty. Na chegada, a recepção da galera da organização, que impecavelmente preparou essa maravilhosa prova, e ainda do campeão da prova, o Caco da Selva, e da Rose da Ekos, que pacientemente nos esperavam praticamente sem descanso.
Todos juntos, nos abraçamos, comemoramos e agradecemos. Trabalho em equipe totalmente cumprido!!!
Valeu Guaranis!!
Obrigada também aos amigos e a galera da Selva Aventura, que lá ou à distância nos incentivaram e nos incentivam sempre. Luli, minha patrocinadora master da bike, obrigada por mais um empréstimo salvador.
Lilian Araújo
Equipe Guaranis
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