Deus iluminando nossos caminhos… Pablo Bucciarelli na Chauás 300 Km 2010

Por Pablo Bucciareli - 14.Sep.2010

Ao ritmo do mangue e sob efeito do sopro do vento sul meu coração estava ligado a esse desafio desde a data em que o evento havia sido anunciado. Enfrentar 300 km na categoria solo, algo inédito nas Corridas de Aventura, ainda mais sabendo das características impostas pela organização da Expedição Chauás, com rotas difíceis de interpretar e de se deslocar, e a incerteza de que estaria mentalmente preparado, foi uma das aventuras mais extremas que enfrentei nesse esporte.

Pablo Bucciarelli

O momento era favorável, pois venho de uma vitória na semana passada em Angra dos Reis, e estou nas minhas melhores condições fisicamente falando. Mas, como saber se estaria preparado para correr essa prova? Uma única maneira, correndo!

Para mim, participar de provas longas tem sido raro nos últimos anos em função de questões pessoais. No entanto, não deixam de ser minha especialidade. Desde 2007, todas as provas acima de 150 km foram marcadas por pódio. Então, com todo esse cenário, estava de certa forma bem confiante e preparado para superar dificuldades, sejam elas quais fossem.

A largada se deu no extremo norte da Ilha Comprida as 11h30 de sábado, dia 4 de Setembro, em meio às dunas, com uma rápida corrida de 3 km e em seguida uma remada de 9 km em canoas canadenses no canal entre Iguape e a ilha. Eu deveria escolher um concorrente para remar na largada, e a escolha foi o Marcelo Santos de Canoas-RS, excelente atleta, meu principal adversário nas últimas corridas. Já na água saímos na dianteira, abrindo vantagem de alguns minutos em relação aos demais concorrentes da mesma categoria. Antes de sair para a corrida no PC 01, após o trecho de canoagem, nos confraternizamos pela remada e desejamos boa prova a partir desse ponto. Mesmo assim, nos mantivemos juntos por um tempo em função da disputa até o PC 06, localizado ao lado do monumento ao Cristo em Iguape. Comecei, a partir desse ponto, dentro da minha estratégia, a colocar um ritmo mais forte, pois a noite se aproximava. Foi então que comecei a ganhar maior confiança na prova, pois meu corpo correspondia a toda a velocidade que colocava, estava me sentindo uma máquina, um motor a todo vapor. Os fiscais dos PC's nem sequer falavam, talvez pela impressionante arrancada ainda no início da prova. Eu estava muito forte, com sensação de poder dar mais e mais. Fiz uma transição rápida no PC 08 para pegar minha bicicleta rumo a 65 km de pedalada, após um trekking de mais de 20 km com alguns erros e bons acertos na orientação, que ainda me deram uma vantagem de 10 minutos em relação ao Marcelo e a equipe Brasília Multisports que chegava bem na disputa.

Já no PC 09 minha vantagem saltou para 40 minutos, ainda movida pela força que estava dentro de mim. Ao final desse trecho, no PC 12 essa vantagem caiu para 20 minutos, sendo a principal razão para isso o vento contra absurdo no trecho de pedalada realizado nas praias da Ilha Comprida, já mais ao sul. Foram aproximadamente 15 km de vento contra forte, muito forte, sozinho. A vantagem dos que estavam para trás foi o de poder pedalar em pelotão, poupando energia. Eu cheguei esgotado nesse posto, por isso fiz uma transição mais lenta, mas saindo pronto para colocar meu ritmo novamente. Esse trekking na sequência seria longo e decisivo. Foram trechos de vara mato, com vegetação cheia de espinhos e bromélias. Arrepia só de lembrar! Consegui, mesmo com um erro logo no início, manter a ponta da prova. Fui alcançado pelo Marcelo, agora em companhia da equipe de Brasília. A orientação foi chave para que no PC 13 abrisse 4 horas de vantagem sobre meu principal concorrente. No entanto, a noite não perdoa os navegadores, nem quando estamos inspirados. Para encontrar um dos PC's virtuais gastei muito tempo e parei para dormir uns minutos, porém nem se quer consegui em função da quantidade enorme de mosquitos, além de não ter levado na mochila roupas de frio ou abrigos. Nesse momento, minha vantagem caia para 1 hora. Na sequência, após aproximadamente 30 km de trekking realizado em menos de 10 horas, haveria uma remada que exigiria muita concentração, sob efeito de muito sono, sol forte e 24 horas acumuladas de prova.

Numa prova longa não podemos vacilar, pois o tempo é relativo, vantagens enormes se perdem e se ganham num piscar de olhos. Oscilamos do céu ao inferno em minutos.

A remada de Cananéia até o bairro de Pedrinhas na Ilha Comprida de 22 km foi suficiente para novamente me colocar no ponto limite da minha condição física e psicológica. Estava realmente cansado e com dores enormes nos pés. O ponto compensador nesse trecho foram as companhias divinas dos botos cinzas e dos guarás vermelhos por quase todo o percurso. Fiz uma transição rápida, pois meu concorrente viria logo. Remar no bote inflável em águas paradas, com vento lateral e sono foi uma experiência dura, mas a maré pelo menos foi favorável. Esse trecho foi cumprido relativamente rápido, em pouco mais de 3 horas. Sai rápido da transição no PC 17, mais uma remada rápida de 3 km e um trekking que foi marcado pela intensidade. Corri muito no trecho de 13 km com um pequeno vara-mato e acertei praticamente tudo, abrindo novamente uma vantagem considerável, para garantir a vitória. Eram mais de 4 horas sobre o Marcelo. Na verdade, eu não tinha essa informação naquele momento, por isso mantive meu ritmo de prova, pra fechar o quanto antes o percurso. Saí da última transição junto da equipe Brasília Multisports as 19h37 do domingo, dia 5 de setembro. Teríamos pela frente quase 120 km de ciclismo, e mais alguns PC's para completar os 300 km de percurso com 24 postos de controle ao todo.

Até muito próximo do final da prova estava mantendo um ritmo forte e acertando toda a orientação pelo mapa fornecido pela organização. No entanto, a escolha de uma rota mais curta, porém mais difícil em termos de orientação, por pouco não me tira a vitória. As mais de 4 horas de vantagem caíram para 33 minutos. No entanto, além dos meus erros, tive dificuldade em lidar com o sono na segunda noite, e o Marcelo foi certeiro nas escolhas e visão do mapa. Acabei dormindo uns minutos, que na verdade, foram importantes, mas acabei me deixando levar mais do que poderia nesse quesito.

Ao completar a prova, me veio uma sensação de alívio, de paz e de reflexão de valores, como sempre acontece em provas mais longas. Agradeço cada uma das pessoas que encontrei durante o percurso, pois foram todas importantes para que pudesse chegar bem ao final. O povo do Vale do Ribeira é sofrido, mas é feliz, pois vive num dos locais mais belos do planeta, rico em saúde e valores. A vitória foi um prêmio extra, talvez ainda prematuro em virtude de estar de volta às provas desde fevereiro passado, após longa parada. Mas, estou me sentindo muito forte e confiante, a cada dia mais feliz com o que tenho conquistado. Tudo isso, fruto de um trabalho de equipe, atleta e treinador.

Tenho aprendido a finalizar minhas batalhas com inteligência, muito mais do que aplicando a força bruta pura e simplesmente. No entanto, tenho atributos em ambos os pilares, de forma que não venha a ser surpreendido pelos meus adversários. Mesmo assim, prefiro vencer sem derramar uma gota de sangue. Minhas conquistas são baseadas em estratégia, por isso meus oponentes têm grandes chances de se tornarem meus aliados. E assim tem sido a vida, adversários durante a prova, mas amigos fora do campo de batalha.

Pablo Bucciarelli é atleta de Corridas de Aventura desde 2001, navegador experiente, correndo atualmente na categoria solo pelo Ranking Brasileiro de Corridas de Aventura – RBCA, navegador da equipe Terra Mundi / Lontra, atleta da Academia Sumaré Sports e Action Sports Assessoria Esportiva.

publicidade
publicidade
Cadastro
Cadastre seu email e receba as noticias automaticamente no seu email diariamente
Redes Sociais