Por várias vezes tentei retornar aos treinos, todos sabem como é difícil. Algumas tentativas sem sucesso, por muitas vezes o trabalho colocava algumas prioridades, em outras a real dificuldade se pegar o ritmo dos treinos. Em uma conversa com o mais filósofo dos Selváticos, o Andressão, ele me contou que também esteve ausente dos treinos por um período e que resolveu colocar um objetivo e começou a treinar depois do casamento para fazer o “Cruce de los Andes”. O resultado foi que segui o mesmo exemplo, depois do meu casamento em Fevereiro 2010, passei duas semanas em lua de mel e um dia depois já estava eu com minha planilha pronta para a La Mision Short Race 40k – Potrero de los Funes / Argentina.
Alguns me chamaram de maluco ao decidir viajar sozinho para fazer uma prova de 40 km nas montanhas. Não que este seja o maior desafio do mundo, mesmo porque o próprio nome já diz “Short Race”, mas sim pelo fato de ser um belo desafio para marcar meu retorno aos treinos. Mas como disse o grande amigo Toga, que me incentivou bastante a fazer esta prova, maluco eu seria se não tivesse treinado para fazer isso. Dentro dos meus limites e objetivos, me preparei bastante para La Mision Short.
La Mision Short
No dia anterior a largada o tempo já começava a dar sinais de que a prova não seria nada fácil. O clima fechou, ameaças de chuva e neve, mas em todos os momentos a organização afirmava que a prova seria realizada independente das condições do tempo, mas com possibilidade de algumas restrições no percurso.
Chegando ao local da largada, centro de Potrero de los Funes, encontrei o Marcelo, amigo do Toga que fazia parte da organização, que logo me disse que a largada estava adiada para as 10hs, pois naquele momento a chuva estava muito forte. Confesso que com o frio que estava fazendo na largada (em media 4 graus) e o Marcelo falando que na montanha estava nevando, pensei: "Que porra que estou fazendo aqui?" Desculpe a palavra forte, mas primeiro que foi exatamente isso que pensei, segundo que para um bom baiano “porra” não é palavrão, é uma simples expressão de reforço (rs).
Logo em seguida, a organização fez uma recontagem pois alguns competidores já tinham desistido mesmo antes da largada. Logo pensei: "Tô fodido". Parecia que algo estava me testando: desde a volta aos treinos, o André não ter viajado para fazer dupla comigo, depois a Jô que não teve condições de se ausentar no trabalho para me acompanhar, agora esse tempo maldito. Mas, é como costumamos falar no meio da aventura: "Quanto Pior, Melhor". Foi aí que comecei a tomar coragem. Fiz minha última suplementação, me concentrei e quando menos percebi já estava no pórtico para a largada.
Uno, dos, tres, cuatro, cinco ...
A largada começou com o “carro madrinha” puxando o ritmo, um trecho de subida de 05 kms até a entrada da trilha. Apesar do trecho de subida e da lama, tinha como objetivo não demorar muito para aquecer e assim me manter no pelotão do meio. Todos alternavam entre trotes leves e alguns momentos de trekking.
Consegui entrar na trilha com 40 min de corrida, e até que para o trecho não foi um tempo ruim. Como sempre, uma fila indiana se formava. Aproveitei um pouco para respirar, pois logo na sequência subiríamos novamente por uma trilha no meio do pasto. Ao sair dessa trilha, caímos num caminho bem formado, parecia uma trilha de parque, bem bonita, aproveitei e voltei a trotar para me manter no meio do pelotão.
Atravessamos um pequeno rio e entramos no bosque, e entre sobe e desce cheguei ao PC que marcava o Km 11 de prova, mantendo assim a estratégia de tempo com uma hora e meia de prova. Em seguida, começamos o trecho da principal subida até chegar a 1500 metros. Estava bem concentrado na subida, mantendo o ritmo, mas sendo conservador, pois não sabia ao certo o que me esperava pela frente. Tinha montado uma estratégia bem conservadora para essa metade de prova, meu objetivo era completar a prova e não ser o último colocado (rs).
Nesse meio tempo outro competidor me chamou a atenção e mostrou a lateral da nossa trilha toda congelada. Como falei, estava bem focado nessa parte, só pensava na trilha estreita, na subida, suplementação, no ritmo, etc. Novamente o companheiro me chamou a atenção e falou para olhar para o lado ... nossaaaaaaaaaaaaaaaa, que visual. Era como se estivesse vendo o Everest, heheheheh. Uma montanha gigantesca do nosso lado, toda coberta de neve, lindo, perfeito. Não tive escolha, tive que parar e pedir para o amigo Hermano registrar a foto. Acho que foi um dos momentos mais bonitos da prova. Confesso sinceramente que pensei que estava numa trilha em direção do Base Camp Everest, rs. Na foto não aparece muito, mas de fato tinha uma montanha coberta de neve atrás desse nevoeiro, acreditem!
Acabando a parte turística e o ritmo conservador, a subida deu um pouco de trégua e foi o momento que soltei o freio e puxei o ritmo mais forte. Permisso, Permisso ... aos poucos me sentia com mais segurança e arriscava algumas investidas. Desse trecho em diante, comecei a observar o quanto acelerava nas descidas técnicas e no plano com costeira. A maior parte desse pelotão travava, foi aí que comecei a abrir mais do fundão e me firmar no pelotão do meio. Acho que a experiência da aventura contou bastante, pois de fato era impressionante como o pessoal descia muito devagar e piorava na costeira. Vamos nessa, estou na prova e agora mais confiante.
Completei a primeira parte da prova no tempo abaixo do previsto com exatamente 03 horas (~21Km). Tinha um PCO no final da trilha informando o novo percurso, pois o Pico das Pedras estava fechado, visibilidade zero e nevando bastante. Uma pequena alteração na prova e fizemos um novo trecho voltando para a trilha inicial da prova, seria basicamente fazer o mesmo percurso. Aproveitei para fazer um lanche de pão com atum, suplementar, e voltei ao ritmo da prova. Logo pensei: agora é fazer o dever de casa e vamos para chegada com um pouco mais de seis horas de prova. Engano, pois no meio da subida começou a nevar, alternando com momentos de chuva forte e o frio apertou.
Como tinha apertado o ritmo, peguei em um pelotão que subia devagar. Como estava nevando bastante, fiquei bem receoso e mantive a linha indiana. Percebi que apesar do ritmo devagar, a fila indiana estava constante, ninguém estava arriscando muito por causa da neve (pelo menos acredito que foi isso). A neve continuou na descida, uma parte mais técnica e a fila continuava. Nesse trecho da prova acredito que perdi um bom tempo, mas por segurança permaneci na fila por um bom tempo. Quando a trilha começou abrir um pouco mais, duas pessoas de trás resolveram pular a fila indiana pedindo permissão, resolvi entrar no vaco, tomei coragem e peguei a dupla como isca.
Dessa parte em diante calculei que faltavam menos de 08k. Até pensei que poderia ter algum problema numa descida mais técnica, mas naquele momento mesmo com o pé quebrado eu terminaria a prova. Seguro que dessa parte em diante nada me tirava da prova, acelerei bastante. Calculo que passei mais de 20 competidores que estavam mais cautelosos no canyoning e nas descidas técnicas. Até mesmo nas subidas leves estava correndo. Peguei a bandeira do Brasil de trás da mochila, coloquei para frente e fui para chegava, onde o pessoal da organização esperava com festa: "Brasil, Vamos Brasil!!!"
Agradecimentos:
A minha esposa, Jô, pelo incentivo e por entender minha dedicação nos treinos.
Pelo companheiro de equipe, André, que não fez parte deste desafio, mas com certeza estará presente nos próximos. A Lilian (Capitã), Marcão (Perna Mole) e o Carcaça pela companhia nos treinos. Vocês foram peças chaves no processo, geraram a alegria e a motivação nos treinos dos finais de semana.
A Selva (Caco, Camis e Geraldinho) por sempre acreditar nos desafios dos seus alunos, entenderem a limitação de cada um, fazer com que cada objetivo seja um sonho individual a ser concretizado.
E principalmente a todos que não acreditaram que conseguiria retornar aos treinos, a viajar para a Argentina e muito menos a completar a prova. A cada percepção de que vocês não acreditavam era uma energia a mais para que tivesse forças para continuar a acreditar no meu desafio pessoal.
Fabio Tavares
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