Se fui seus olhos, ele foi muito mais minhas pernas - Mario Scherer relata sua participação com um deficiente visual

Por Mario Scherer - 08.Apr.2009

O início da prova para nós se deu há algumas semanas quando a Associação Expedição e Aventura lançou a idéia da inclusão social. O primeiro passo foi adquirir uma bike dupla (tandem), o segundo passo foi encontrar um deficiente visual com disposição para encarar a prova e o terceiro passo é onde eu entro na história.

Conheci meu parceiro, Valme Esser, 41 anos, na semana da prova. Pedalamos por aproximadamente uma hora na véspera  para nos conhecermos melhor e, principalmente, para nos adaptar à bicicleta. Percebi que não seria uma tarefa simples completar a prova utilizando aquela bike, que embora estivesse em perfeitas condições de uso, possuía uma estrutura nada convencional para uma competição.

A largada foi de caiaque no município de Laurentino. Valme, que até então nunca havia remado na vida, levou uns minutos para se adaptar à embarcação. Logo no início caímos para a última posição e lentamente ele foi se adaptando ao caiaque e gradativamente ultrapassamos algumas equipes. Concluímos o remo na 7ª posição, nada mal para um início de prova. A parte complicada foi retirar o caiaque da água, visto que meu parceiro não podia me auxiliar muito nessa tarefa. Mas com uma ajudinha dos amigos tudo acabou dando certo.

Iniciamos a primeira parte da bike sob muito sol. Logo no início a corrente acabou caindo e o stress começou a pegar. Valme por sua vez era só sorrisos, tudo era motivo para ele  festejar e isso acabava me deixando “inibido” para reclamar da má sorte. Não demorou muito e logo alcançamos o PC 2, local onde iniciava o trekking.

Foi no trekking que realmente começou a ficar difícil a situação. A estrada que levava até o alto do morro era muito íngreme e irregular, com muitos valos e pequenos buracos provocados pela erosão, isso aliado ao forte calor prejudicava muito nossa progressão. Quase no topo do morro nos deparamos com um terreno um pouco mais amigável, uma lavoura de milho. Aceleramos o passo e nesse momento ultrapassamos uma equipe. Não demorou muito para sairmos da trilha. Agora eram mais uns poucos km de estradão até o PC 3 e voltar pela mesma trilha até onde havíamos deixado a bicicleta.

Quando estávamos próximos do PC 3 encontramos as primeiras equipes já voltando e percebi que a maioria delas não estava muito a nossa frente. Assinei o PC e voltamos com muita força para tentar diminuir a distância. Como o estradão estava bem conservado e não apresentava muitas irregularidades no terreno, Valme que é um excelente corredor, inclusive com índice para-olímpico nos 800m, conseguia se deslocar facilmente sem muito auxílio, confesso que ele estava sobrando nesse momento da prova, tive que suar muito para conseguir acompanhá-lo.

Quando alcançamos novamente a trilha que nos levaria até onde estava a bike, já havíamos ultrapassado algumas equipes, mas acabei exagerando na disposição em querer alcançar os líderes da prova e esqueci das limitações visuais do meu parceiro, que acabou tendo uma queda, felizmente nada de muito grave, somente pequenos arranhões. Curados do susto, e agora com mais prudência, terminamos a trilha na terceira colocação a poucos minutos dos primeiros.

O desafio agora era buscar o último PC, mas para isso seria necessário “escalar” muita serra e com todo aquele calor a missão parecia mais difícil ainda. Começamos a subir os primeiros morros e sempre nos revezando no trabalho de empurrar a bike não demorou muito para ultrapassarmos os líderes que pareciam não acreditar no que estavam presenciando.  Quando comentei com o Valme que estávamos liderando a prova, não senti na expressão dele qualquer alteração, mesmo porque acredito que ele estava tão feliz por estar participando que mesmo se estivéssemos na última posição a alegria seria a mesma.

Embora nossa bike precisasse de uns apertos na caixa de direção a cada dois ou três km, a corrente que insistia em não querer ficar no lugar e um pequeno equívoco na navegação que nos custou uns 5 minutos, mesmo assim nada conseguia abalar a nossa confiança. Mas o inevitável aconteceu, o guidão traseiro da bike não suportou e acabou quebrando, nos deixando numa situação bastante delicada, principalmente porque o freio da roda traseira era acionado nesse guidão. Como sempre levo uns pedaços de fita adesiva para alguma situação emergencial, prendi o guidão quebrado junto ao quadro da bike e lá fomos nós tentar agora simplesmente terminar a prova, nesse momento éramos ultrapassados por algumas equipes.

A minha confiança em conseguir concluir a prova agora não era a mesma, mas o Valme ainda era só alegria e bom astral e isso ficava me “alimentando”. Agarrado nas minhas costas tentando se equilibrar para conseguir ajudar um pouco a pedalar vinha gritando “ ..... Vamos desossar, vamos desossar ...”. Após encontrarmos o último PC, tínhamos ainda a dura missão de descer uma interminável serra, e fazer isso com uma bike dupla sem freio traseiro e uma pessoa grudada nas costa não é tarefa das mais fáceis. Já participei de inúmeras corridas, mas tenho certeza que foi a primeira vez fiquei torcendo para terminar logo aquela decida e sair inteiro da prova.

Quando terminamos a descida respiramos aliviados e saldamos a falta de hematomas e fraturas. Ainda faltava uns km até a linha da chegada, mas agora a estrada era um pouco mais tranqüila e embora não estivéssemos conseguindo manter um bom ritmo, tudo era festa pro Valme. Cruzamos a linha de chegada por volta das 18:30 hrs, trinta minutos atrás do primeiro colocado, alguns amigos e familiares estavam no local e com certeza foi muito emocionante para todos que lá estavam.

Agradeço a todos da Associação por terem acreditado que era possível e principalmente por terem acreditado em mim. Também agradeço a compreensão e o apoio do pessoal da Xokleng, em especial ao Fábio, que acabou ficando sem parceiro para a competição e principalmente ao meu novo amigo Valme Esser, pois se fui seus olhos, ele muito mais foi minhas pernas.

Mario Scherer
Equipe Superação

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