Mundial de Corridas de Aventura – uma prova cheia de desafios. Relato da atleta Nora Audrá no ARWC 2007

Por Nora Audrá - Equipe Atenah - 04.Jul.2007

Participar do Mundial 2007 de Corridas de Aventura na Escócia foi um grande desafio para mim. Conseguir chegar a Fort William, completar o percurso e voltar para casa inteira…E eu gostaria de compartilhar alguns fatos importantes sobre o Mundial 2007.

Pré-Prova - Quando os suecos da FJS me convidaram para completar a equipe, nosso primeiro desafio foi conseguir recursos para minha passagem. Morar na Nova Zelândia tem muitas vantagens, qualidade de vida, variedades de treinos, mas também tem um pequeno-grande problema: é longe de todo o resto do mundo, o que torna a passagem aérea mais cara. Um mês antes da prova, depois de muitos telefonemas e ajuda de todas as partes, oficializamos a minha participação.

Os rapazes se mostraram bem organizados em relação a preparação. Felizmente eles levaram praticamente todos os equipamentos, exceção às roupas pessoais e a mountain bike, que eu levei comigo. Passamos o mês que antecedeu a prova trocando e-mails sobre estratégias e objetivos. Desde o início nosso objetivo parecia o mesmo, estar entre as top 10 equipes.

Minha viagem para a Escócia foi bem diferente do que eu esperava. Minha passagem inicialmente via Austrália, teve que ser totalmente trocada devido a problemas em relação ao visto australiano, que eu não tinha… Depois de perder meu vôo e passar a noite em Auckland, consegui trocar meu vôo, sendo o novo via Estados Unidos, cujo visto estava em meu passaporte antigo, que obviamente eu havia deixado em Christchurch. Depois de uma mega correria, telefonemas, courier e etc. e com o passaporte finalmente em mãos, consegui embarcar para Los Angeles. Viagem longa…mais de 36hrs até chegar em Fort William, às 11hrs da noite, onde minha equipe me esperava com o jantar pronto. Enquanto eu jantava, aproveitamos para conversar, nos conhecer melhor e planejar nosso dia seguinte.

O dia seguinte foi tranquilo, testamos nossas bikes, organizamos um pouco nossas caixas e tivemos a oportunidade de encontrar as outras equipes. Todas as caixas estavam dentro de um ginásio e cada equipe tinha um lugar reservado para os equipamentos. No dia do check-in da equipes o ambiente calmo e amigável logo foi substituído pela tensão. Checagem de equipamentos, testes de habilidades e para ajudar um pouco, um dia chuvoso e muuuito molhado, o que já nos deu uma noção do que nos esperava pela frente. Na sexta feira mais uma missão, organizar nossas caixas e entregá-las à organização. Pela primeira vez recebemos informações gerais sobre o percurso, distâncias, transições e onde cada caixa estaria ao longo da prova. A partir destas informações pudemos organizar as caixas de equipamentos, atentos a um simples, porém precioso detalhe: cada caixa não poderia exceder 40kg. Cada kg extra seriam 30 minutos de penalização…

Missão cumprida, foi hora do tão esperado briefing. Pelo tom de voz de Gary Tompsett, diretor de prova e o responsável pelo percurso, a prova seria a mais dura de todos os tempos, uma missão impossível para a maioria das equipes. Segundo ele, poucas equipes completariam o percurso todo, o que provou ser verdade ao final da prova. Detalhes a parte, a prova realmente pareceu monstruosa e muito dasafiadora. Longas sessões de trekking, mountain bike e uma portagem gigantesca, 15km carregando os caiaques. “O terreno dará risada das suas meias de goretex”, foram as palavras de Gary em relação às chuvas e terrenos molhados.

Prólogo - Sábado de manhã fomos levados de ônibus até a balsa, que nos levou então para a paradisíaca e pouco habitada Ilha Rum. Apenas 25 pessoas moram na ilha, conhecida como a “Ilha Proíbida” por ser uma das maiores áreas protegidas no Reino Unido. Em frente ao Castelo de Kinloch partimos para um trecho que 2km de corrida até o início da natação. Confesso que a natação não foi tão ruim quanto pareceu, a água até que estava agradável e o tempo, por sua vez, nos deu uma trégua. O sol predominou e o dia acabou sendo bem quente. Depois da natação partimos para uma sessão de 26km de trekking com navegação ao redor de toda a ilha, escalando todos os picos, o que nos deu um gostinho do que estava por vir. Terreno bem técnico e úmido, montanhas íngremes, com muitas subidas e intermináveis descidas. Acabamos o prólogo por volta das 17hrs e entre as 15 primeiras equipes. Fomos uma das únicas a não receber penalização (a maioria das equipes de ponta recebeu, por falta de equipamentos obrigatórios, separação dos atletas e rotas proibidas). Foi um fim de tarde tranquilo, todas as equipes acamparam em frente ao castelo e aproveitaram os últimos momentos para relaxar e aproveitar o contato com os amigos. O prólogo foi apenas um aperitivo, o prato principal ainda estava por vir.

Prova - Escalar todos os picos da Escócia, remar em mar aberto, pedalar em singleracks, carregar caiaques por mangues, nadar no Lago Ness, frio, chuva… A prova foi bem dura e a Escócia provou ser um país de terreno bem duro. Apesar das montanhas não serem tão altas, a maior montanha da região é o Ben Nevis com aproximadamente 1400m de altitude. A constância das subidas e descidas íngremes e a irregularidade do terreno e as pedras, acabaram judiando bastante do corpo, pés e joelhos, principalmente em um percurso onde 200km foram percorridos de trekking, sem incluir as portagens onde tivemos que carregar os caiaques.

Quando não estávamos subindo ou descendo as montanhas, estávamos caminhando em espécies de charcos e mangues, onde nossos pés e algumas vezes até mesmo os joelhos, eram cobertos de água e lama. Foi impossível manter os pés secos, principalmente a partir de segundo dia de prova quando o mau tempo tomou conta da região e a chuva predominou.

Técnica, fria e molhada. Corridas de aventura são sempre grandes desafios e a nossa cabeça muitas vezes nos conduz ao longo do percurso. Muitas vezes passamos por dificuldades que nosso corpo grita por socorro e é nossa cabeça que acaba nos socorrendo. Depois de alguns dias de prova nosso corpo se vê exausto e nossa cabeça entra em ação, “posso estar cansada, mas pelo menos não estou com frio…” Chega então o momento em que nosso corpo se encontra cansado e com frio. Mais uma vez nossa cabeça entra em ação e nos convence de que poderia ser pior, “pelo menos não estou molhada….!!!”, é quando a chuva vem para piorar a situação, “agora estou cansada, molhada e com frio…!” …”pelo menos não estou perdida!”. Nos momentos duros e difíceis eu brincava com meus companheiros, exímios navegadores (não tive nem a chance de tocar no mapa…), e dizia: “eu posso estar cansada, molhada e com frio, mas tudo fica mais fácil quando temos a certeza que estamos indo para o lugar certo!” E com certeza a precisão na navegação dos rapazes me impressionou. É tão mais fácil quando nossa cabeça joga a nosso favor!

A equipe - Felizmente eu fiz parte de uma equipe excepcional, onde grandes atletas acabaram se tornando grandes amigos. Passamos frio juntos e competimos o tempo todo em busca de nosso objetivo. Ao final da prova, no último trecho de trekking, eu estava mal. Peguei uma infecção no início da prova que me fez relembrar o Eco Challenge de Fiji. Meu corpo inteiro inchou e nos últimos dois dias eu não conseguia respirar direito. Meu corpo estava fraco e foi minha cabeça que me levou até o final. Mas certamente eu não conseguiria tal feito sem a ajuda da minha equipe. O Johan, o Nicklas e o Daniel foram formidáveis e me ajudaram muito.

Estávamos em uma disputa entre as equipes suecas. A Halti estava logo atrás e nós queríamos vencê-los a todo custo. Foram horas de combate mútuo e eu lutava com o meu corpo para me manter na briga contra a Halti. Avistamos de longe uma equipe atrás quando descíamos o Ben Nevis e a mesma parecia estar em plena forma. Foi quando os rapazes resolveram testar nossos últimos cartuchos… "O que iríamos fazer se a Halti nos alcançasse e nós tivessemos que partir para um sprint final?” Certamente eu morreria. Johan resolveu testar me carregar, alguns segundos de descanso. Polpou minhas pernas para a descida final onde corremos por horas até a linha chegada. Nossa motivação e trabalho em equipe nos fez conquistar nosso objetivo. Cruzamos a linha de chegada em nono lugar.

Organização - Por alguma razão a organização quis fazer deste o Mundial mais desafiante de todos os tempos, porém eles cometaram um grande engano. Para ser desafiante, uma prova não necessariamente precisa ser impossível, o percurso não precisa ser tão duro, os cortes tão apertados a ponto de apenas 5 equipes completarem o percurso inteiro. Uma prova pode ser desafiante e ser interessante ao mesmo tempo. Os desafios podem estar na estratégia e navegação, não apenas na dureza do terreno. Certamente não era necessário nos fazer carregar os caiaques por 15km para tornar a prova dura, ou nos fazer escalar todos os picos da Escócia para ser a prova mais difícil de todos os tempos. Para se ter uma idéia, no meio da prova a equipe Nike estava 16 horas atrás do tempo previsto pela organização, cujo maior erro foi não ter alterado os horários de corte e possibilitar que mais equipes fizessem o percurso inteiro.

Ao final da prova a maior parte dos atletas mal conseguia caminhar devido a bolhas, tendinites e torções. O departamento médico parecia um campo de guerra. Realmente foi uma das provas mais duras de todos os tempos.

Um Mundial onde existiram muitos campeões - Corrida de Aventura é mais que apenas força física. É companherismo, estratégia e determinação. Vimos a força física predominante no Mundial, mas certamente seria impossível completá-lo sem o companheirismo e a determinação, o que eu vi em todas as equipes que cruzaram a linha de chegada. Todas foram vencedoras, primeiramente por conseguirem largar, mas principalmente por, depois de todas as situações adversas como cortes e injustiças da organização, terem mantido a determinação de seguir até o final. Todas foram campeãs!

Agora é olhar para frente!

Minha esperança é a de que no próximo ano o Mundial seja inesquecível para todas as equipes. Inesquecível por suas paisagens, por seus desafios e pelas experiências, e não seja lembrada como a prova que fez de tudo para que poucas equipes completassem o percurso inteiro. E eu tenho a certeza de como nas edições anteriores, o Ecomotion será uma grande experiência!

Um beijo grande e ótimos treinos.
Nora Audrá

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