Pesquisa sobre a relação entre atividade fisica e altitude no El Origen Aconcágua 2018

Caros, esta história começou da maneira mais estranha possível, e longe do fim, está mostrando aspectos muito legais. No segundo semestre do ano passado, lá estava eu extremamente frustrado com o baixo número de voluntários de um trabalho de mestrado que estou fazendo sobre altitude. Apesar dos esforços da amiga e super montanhista Karina Oliani (que me trouxe diversas “vítimas” de um trekking ao Everest), tive que fazer uma apresentação da minha tese com os gatos pingados que colaboraram (e muito).

Nisto o Dr Carlos André Santos, médico do esporte e atleta de corrida de montanha, propôs me ajudar me apresentando o pessoal desta prova El Origen (e eu me perguntando: origem do que? Que diabos?), que teria alguma altitude, esforço, etc…

Confesso que topei no desespero de causa, pois fiquei me imaginando ter de viajar com um bando de malucos que se enfia na lama, dorme em barracas, come o que der e acha que a altitude não seria importante. E mais frustrante ainda, que os voluntários iriam me deixar na mão, o que não é raro.

Durante o início da pesquisa o que aconteceu foi o contrário. Convidado pelo Rafael Campos e pelo Pedro Caldas, fui com o Carlos (como o referirei no texto) dar uma palestra sobre o mal da montanha no espaço MIT e já fiquei surpreso com o interesse, profissionalismo da moçada, com streaming online das palestras (o que quer que isto queira dizer) e a partir daí recebemos mais interesses de voluntários do que tínhamos capacidade para atender no CETE-Unifesp, da Escola Paulista de Medicina.

elorigen_aconcagua_2018_pesquisa_4.jpeg

Testamos mais de 30 pessoas em testes ergoespirométricos em condições normais e na câmara de simulação de altitude que temos por lá, com meta de 4000 metros, parecida com o pico da prova. Nosso cardiologista e fisiologista, Dr Filippo Saviolli e Fernando Salles, sofreram pacas, expostos por horas nos testes da simulação de altitude e os voluntários deram o máximo de si.

Minhas assistentes, Dras Luciana Garms e Cassiana Pizanelli também participantes da prova, ralaram também e enfim a primeira fase foi concluida, com quebras de equipamento (e consequentemente atrasos) e muita paciência dos voluntários.

E aí vinha a segunda etapa, a prova em si. Como eu ia ficar todo o período com o grupo, me inscrevi na prova, mas honestamente sem vontade nenhuma, pois embora seja um corredor pangaré e goste de montanha, tenho minhas limitações ortopédicas e achava que seria muito sofrimento para pouca compensação. Mas se não corresse, ia ficar o dia inteiro esperando todo mundo por lá para coletar dados.

A coisa começou a mudar no transfer de ida. Vendo a empolgação da moçada com a prova, discutindo estratégias, perguntas sobre a altitude (ai já me interessava muito), comecei a ver um espírito de companheirismo que poucas vezes tinha presenciado como médico do esporte ou esportista em diversas áreas (num passado remoto, hehe).

Chegando em Portillo começamos a caça aos voluntários, que não só compareceram em massa, como agregaram alguns mais, permitindo que coletássemos muita informação. Tudo isto com a moçada sofrendo com a chegada de sopetão aos 3000 metros, sem tempo para descansar.

elorigen_aconcagua_2018_pesquisa_1.jpeg

Chegou o primeiro dia de prova e eu não tinha uma vaga idéia do que esperar. Enquanto o Carlos ia “decolar” com o pelotão dos 100 Km, onde a Luciana também fazia parte, eu e a Cassiana estávamos no pelotão dos 30 Km e decidimos sair caminhando para não passar vergonha e pelo menos terminar. Vergonha?? Que nada, o pessoal era super solidário, dando dicas, batendo papo (quando dava) e ajudando, berrando para estimular.

Terminamos vivos. Até fiz um ritmo forte na subida final, pois a fome tinha batido e eu queria terminar logo. Mas chegando no hotel vi meu batismo de corrida de montanha: uma tremenda bolha no pé (que perto do que vi por lá, não era nada).

Toca examinar e perturbar os super solícitos voluntários, que já me viam e mostravam o dedo indicador, para eu medir a saturação de oxigênio. Volto a repetir, dedo INDICADOR!

elorigen_aconcagua_2018_pesquisa_3.jpeg
Saturação de um paciente em 80 por cento (o que é ruim) a 4.000 metros de altitude. A maioria saturava de 90% para cima.

Noite mal dormida, consequências da altitude, e lá estava eu na manhã do segundo dia atendendo uma intercorrência de uma pessoa que havia passado mal e depois me preparando, literalmente, para a ladeira abaixo.

Como todos que fizeram sabem, o ponto de partida e o percurso inicial eram lindos, então combinei com a Cassiana dela esperar eu largar, me filmando. Dai eu pegaria a câmara e filmaria ela largando. O que são 30 segundos em 2 horas?? Para a gente nada, mas um cara do meu lado, que nunca mais vi por lá, ficou meio me empurrando, querendo meu espaço. Eu, que não sou conhecido por ser muito calmo, estava na boa, mas aí me irritei e disse, “vai fundo aí amigo, passa e não enche”.

Enfim o cara largou na minha frente, atrapalhou um pouquinho da minha filmagem, daí saí do pelotão, peguei a câmara, filmei a Cassiana e parti de novo. E só de raiva, manquitolando como sempre (por causa dos meus quadris de titânio), passei o “figura”, perguntei se estava bem e falei, “olha o manquito te passando”. Confesso que foi o único momento de competição da prova para mim.

Depois de uma encosta linda, veio a descida constante, onde descobri que surfar na areia, terra, cinza, o que quer que seja aquilo, era muito legal. E terminei o dia moído, com uma tremenda dor na musculature do glúteo, e de médico virei paciente com a ajuda de corredores voluntários e voluntariosos, que me ajudaram a sobreviver ao terceiro dia.

ElOrigen_Aconcagua_2018_Dia2_00378.jpg

E aí foi “partir para a galera”, fazer o terceiro dia, chegar vendo meus voluntários me esperando, fazendo sua crioterapia no lago coordenados pelo Dr Carlos André, que me estimularam a terminar a prova, e subiram para fazer seus exames, perdendo parte daquela curtição pós-prova, que por sinal eu também perdi.

Podia ficar escrevendo até amanhã, mas para vocês corredores de montanha, estas sensações não são novas. Solidariedade, amizade, resiliência, disciplina e tudo mais num nível que poucas vezes presenciei.

Vocês são demais!

Espero, junto com o Carlos André, Lu Garms, Cassiana Pisanelli e a equipe do CETE-Unifesp, poder devolver em pesquisa o que vocês deram em carinho para a gente.

Pois a minha amizade e gratidão vocês já ganharam!!

GABRIEL GANME

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *